O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou o texto final da resolução Nº 23.732 no dia 1 de março, obrigando as plataformas digitais a removerem imediatamente postagens com informações falsas, odiosas ou distorcidas entre outras obrigações. Apesar do esforço do TSE em preservar a integridade do processo eleitoral, advogados, acadêmicos, especialistas, parlamentares e jornalistas têm criticado a resolução.
Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico avaliaram a resolução e alertaram para o excesso de competência do TSE e a falta de clareza em alguns aspectos. Marco Sabino, especialista em mídia e internet do Mannrich e Vasconcelos Advogados, lembrou que o TSE já havia feito uma resolução semelhante em 2022, durante as eleições, com a preocupação de conter as fake news. Ao Conjur, ele afirmou que é “normal o TSE ter uma capacidade regulamentar um pouco maior”, mas ressalta que a resolução sobrepõe-se ao artigo 19 do Marco Civil da Internet. “O que o TSE faz é modificar o artigo 19”, disse, à revista.
Para André Giacchetta, do escritório Pinheiro Neto Advogados, o tribunal sai de sua competência em vários trechos da resolução. Como por exemplo, no momento em que se trata do conteúdo ilegal feito por inteligência artificial, afirmando que a remoção tem que ser imediata, de iniciativa da plataforma ou por ordem judicial. “As plataformas precisam monitorar esse tipo de conteúdo? Há essa obrigação?”, questionou, Giacchetta.
“O TSE deveria criar parâmetros para que os provedores tenham balizas do que é um conteúdo sabidamente inverídico. Ou coisas até mais simples. O que são atos antidemocráticos? Vivemos essa discussão hoje. Há um grau de subjetividade na determinação da conduta. Essas balizas seriam algo extremamente relevante”, indagou, o advogado. “Nenhuma dessas obrigações estava na consulta pública feita pelo TSE. Nenhuma delas foi objeto nas audiências e nas discussões públicas. Elas apareceram exclusivamente no dia do julgamento da resolução”, disse. Giacchetta também levantou que não há na legislação eleitoral uma definição sobre dever de cuidado. “Como pode se justificar pelo dever de cuidado e pela função social, que na Constituição é a da propriedade?”.
Outros especialistas em direito digital e liberdade de expressão expressaram preocupações com a nova resolução do TSE, em entrevista ao Desinformante. Paulo Rená, da ONG Aqualtune Lab, e Iná Jost, do InternetLab, destacam que a resolução diverge do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros apenas após ordem judicial.
Paloma Rocillo, do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), critica a mudança como um exagero normativo e uma extrapolação das competências do TSE, considerando o Marco Civil da Internet resultado de um processo multissetorial de elaboração. A falta de consulta pública específica sobre essa mudança também é apontada como problemática. Na reportagem, os especialistas temem que a resolução possa levar a uma moderação massiva de conteúdos legítimos pelas plataformas para evitar sanções, afetando a liberdade de expressão.
Do Parlamento ao Jornalismo
Além do Juristas e especialistas do setor digital, deputados e jornalistas também têm criticado a resolução. Orlando Silva (PCdoB-SP), deputado federal e relator do PL 2630/20, conhecido como PL das Fake News, escreveu artigo à Carta Capital sobre a resolução do TSE. Ele elogiou a postura firme do tribunal, mas expressou preocupação sobre o impacto dessa resolução nas plataformas digitais, que seriam responsabilizadas civil e administrativamente por não removerem conteúdos prejudiciais ao processo eleitoral. O deputado vê a medida como conferindo poderes de moderação muito amplos às plataformas, o que poderia representar riscos. Embora reconheça que a resolução se inspira no PL 2630, Silva considera a ação do TSE um movimento incompleto para a integridade eleitoral e a democracia.
“Conhecendo a dimensão do desafio, o TSE não hesitou em responsabilizar solidariamente as plataformas digitais, civil e administrativamente, caso não removam imediatamente conteúdos que possam ser considerados antidemocráticos, que atinjam a integridade do processo eleitoral, incitem a violência contra membros da Justiça Eleitoral, promovam discurso de ódio, racismo, homofobia, xenofobia ou ideologias extremistas, como o nazismo e o fascismo. Como não há um gatilho a gerar a responsabilização, pressupõe que as empresas ocupem a posição de monitorar e decidir prontamente sobre isso”, defendeu, Orlando, no artigo.
Ainda, a renomada jornalista da Folha de São Paulo Patrícia Campos Mello publicou matéria com opiniões contrárias à resolução. A reportagem coloca o texto do TSE como contrária ao Marco Civil da Internet, principalmente pelo seu artigo 9E, que demanda das plataformas digitais a remoção imediata de conteúdos prejudiciais durante o período eleitoral.
Especialistas, como Carlos Affonso Souza, argumentam que essa resolução diverge diretamente a lei federal, sugerindo que cria um “excepcionalismo eleitoral” inexistente no Marco Civil. A preocupação é que tal medida force as plataformas a uma vigilância constante e possa levar à remoção excessiva de conteúdo, atuando como uma forma de censura. A reportagem aponta que a resolução reflete tentativas de regular o espaço digital além das ações legislativas anteriores, com sugestões que vieram do ministro Alexandre de Moraes.
A complexidade da navegação entre responsabilidade digital e direitos fundamentais é um desafio contemporâneo que transcende fronteiras e exige diálogo contínuo entre todos os setores da sociedade. Embora busque reforçar a integridade do processo eleitoral brasileiro, a resolução também acendeu discussões sobre os limites da regulação eleitoral e o papel das plataformas na moderação de conteúdo.