Desmistificando o projeto de lei que regulará Uber, 99 e outros

Na segunda-feira, dia 4 de março, foi oficializada pela Presidência da República a assinatura do projeto de lei complementar que visa regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos. Essa proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional para apreciação e votação em regime de urgência. Se receber o aval dos deputados e senadores, entrará em vigor 90 dias após sua aprovação.

A iniciativa do projeto de lei vem de um grupo de trabalho estabelecido em maio de 2023, que contou com a presença de membros do governo federal, representantes dos trabalhadores e das empresas. Segundo o governo, este esforço colaborativo também teve o acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Abaixo alguns pontos que você precisa entender para tirar suas próprias conclusões:

Segurança Jurídica Tributária

O projeto de lei estabelece uma importante distinção ao definir as plataformas digitais como intermediadoras tecnológicas, e não como prestadoras de serviços de transporte ou como empregadoras dos motoristas (Art. 2º). Essa caracterização tem implicações significativas para o regime tributário aplicável às operações realizadas por essas plataformas. Ao classificá-las dessa forma, o projeto visa evitar o aumento da incidência de tributos tanto para as plataformas, quanto para os motoristas, o que poderia levar a um aumento dos custos operacionais e, por consequência, dos preços para os usuários dos serviços. Este enquadramento preserva a viabilidade econômica do modelo de negócios baseado em aplicativos.

Regulação do Trabalho Autônomo

O projeto reforça a autonomia dos motoristas ao classificá-los como trabalhadores autônomos, não estabelecendo uma relação empregatícia com as plataformas (Art. 3º). Essa disposição é fundamental para manter a flexibilidade dos trabalhadores, principal demanda da categoria, confirmada por pesquisa do Datafolha onde 75% dos entrevistados dizem preferir esse modelo à CLT. A flexibilidade e autonomia são os pilares do modelo de negócios das plataformas de transporte por aplicativo, atraindo muitos profissionais para o setor. Desta forma, os motoristas podem definir seus próprios horários de trabalho e escolher livremente quando e como desejam prestar seus serviços.

Custos Previdenciários

O modelo de contribuição previdenciária estabelecido (Art. 10) implica novos custos para as plataformas e os motoristas. A longo prazo, isso pode afetar a competitividade e a acessibilidade dos serviços de transporte por aplicativo. Enquanto reconhecemos os benefícios inerentes à formalização dos motoristas no âmbito da previdência, não podemos ignorar os custos adicionais que emergem desta iniciativa. Especificamente, as plataformas de transporte enfrentarão um incremento em seus encargos financeiros, dado que serão responsáveis por uma contribuição patronal equivalente a 20% aplicada sobre uma base de cálculo que corresponde a 25% do faturamento. Esta dinâmica resultará em um aumento efetivo de 5% no custo total de faturamento para as plataformas. Paralelamente, os motoristas estarão sujeitos a uma alíquota de contribuição previdenciária de 7,5%, também calculada sobre 25% do faturamento, o que equivale a 1,875% do faturamento total. À primeira vista, este percentual pode parecer modesto. No entanto, quando comparado a outros encargos, como o PIS, cuja alíquota sobre a receita bruta é de 1,65%, a nova carga tributária revela-se onerosa, em especial se considerarmos que a recente reforma tributária sobre o consumo irá aumentar as alíquotas sobre o setor durante os próximos anos.

Vedação à Exclusividade e Maior Concorrência

A proibição de exclusividade para os motoristas de aplicativos está detalhada no Artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I do projeto de lei complementar. A disposição permite que os motoristas trabalhem simultaneamente para múltiplas plataformas ou que exerçam alguma outra atividade paralelamente. Ao eliminar a possibilidade de acordos de exclusividade, incentiva-se uma competição entre as plataformas, compelindo-as a melhorar suas ofertas e serviços tanto para atrair quanto para reter motoristas. Isso pode incluir melhorias nas taxas de comissão, suporte mais eficaz e recursos adicionais que visem o bem-estar e a satisfação dos motoristas.

Transparência Operacional

O projeto impõe às plataformas o dever de garantir a transparência nas relações com os motoristas, especialmente no que diz respeito aos critérios de distribuição de viagens, remuneração e avaliações (Art. 8). Esta medida visa fortalecer a confiança entre as partes e garantir um tratamento justo aos motoristas pelos algoritmos, ao mesmo tempo em que preserva o segredo de negócio das empresas.

Sindicalização dos Autônomos

A introdução da sindicalização para trabalhadores autônomos (Art. 3, §3º) representa uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, o que pode gerar debates sobre representatividade, autonomia e a flexibilidade do trabalho autônomo. Ainda que busque fortalecer a negociação coletiva, essa disposição pode ser interpretada como uma restrição à liberdade individual dos motoristas de decidir sobre sua associação sindical, além de apresentar incertezas sobre como será implementada, podendo acarretar impactos e custos relevantes para o setor.

Intervenção no Design do Serviço

O projeto faz uma intervenção direta nos procedimentos operacionais das plataformas de transporte por aplicativo, especialmente no que tange à gestão da relação com os motoristas. O artigo 6º estabelece restrições específicas à exclusão unilateral de motoristas das plataformas, limitando tal ação às situações de fraude, abuso ou mau uso da plataforma. Esta medida, embora formulada com a intenção de proteger os motoristas contra descredenciamentos arbitrários, suscita preocupações acerca de seu impacto na capacidade das plataformas de manter elevados padrões de qualidade. Embora a proteção dos motoristas seja de suma importância, é essencial que a regulação contemple um equilíbrio entre a segurança dos motoristas e a liberdade operacional das plataformas, de modo a preservar os incentivos para a prestação de um serviço de alta qualidade.

Limite a Jornada de Trabalho

O projeto delimita um total máximo de 12 horas trabalhadas, conforme definido no Artigo 3º, parágrafo 2º do projeto de lei complementar. A medida foi proposta pelo Executivo com o objetivo de garantir condições de trabalho adequadas, prevenindo a sobrecarga de trabalho e promovendo o bem-estar dos motoristas que prestam serviços por meio dessas plataformas.

Ganho Mínimo

O projeto de lei propõe estabelecer um ganho mínimo de R$32,10 por hora trabalhada para motoristas de aplicativos, garantindo que eles recebam um salário líquido proporcional ao salário mínimo, considerando o tempo trabalhado e descontando despesas operacionais (depreciação do veículo, seguro, impostos etc). O valor será ajustado anualmente conforme o salário mínimo nacional. Caso a remuneração fique abaixo desse valor, as plataformas deverão complementar os ganhos. Além disso, impede restrições de chamadas para motoristas que atingem o piso salarial. A título de exemplo, um motorista que tenha trabalhado, por sua própria escolha, o equivalente a 44h semanais, na soma de um mês teria o ganho de 5.649,60 reais como mínimo garantido. À parte do piso salarial, o projeto preserva a liberdade das empresas de definirem seus preços – precificação dinâmica, categorias diferentes etc.