Acadêmicos e especialistas do setor digital, da internet e em defesa da democracia têm expressado opiniões contrárias à Resolução Nº 23.732 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No dia 1 de março, a relatora e Vice-presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia, publicou o texto final da resolução que obriga as plataformas digitais a removerem de imediato postagens com informações falsas, odiosas ou distorcidas, a rigor sem ordem judicial, entre outras implicações. Porém, segundo especialistas, a decisão da relatora vai contra o Marco Civil da Internet e põe em risco a liberdade de expressão dos brasileiros.
Além das opiniões dos especialistas já registradas no site do Conselho Digital, outras entidades seguem expressando suas opiniões. De acordo com o Laboratório de Direitos Humanos e Novas Tecnologias, o LabSul, a Resolução apresenta avanços e inovações, mas, principalmente, desafios e obstáculos que indicam a “urgência de uma discussão e ponderação para sua implementação durante o período de eleições”.
Segundo o posicionamento do Laboratório, a mudança marca um desvio significativo da legislação atual, especificamente do Marco Civil da Internet, que delimita a responsabilidade das plataformas após determinação judicial. “Contudo, essa modificação levanta preocupações diante da sua incompatibilidade com o art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI), Lei Federal que já regula a questão. O art. 19 estipula que é da competência do Poder Judiciário a definição final sobre a natureza jurídica do conteúdo, e os provedores só podem ser responsabilizados civilmente mediante o descumprimento de ordem judicial para a remoção”, defendeu, o Labsul.
O Laboratório também entende que a decisão pode afetar a liberdade de expressão do indivíduo: “A atual falta de previsão legal sobre os contornos jurídicos destes conteúdos, ou seja, sobre como as plataformas devem identificar os conteúdos a serem removidos representa um risco à liberdade de expressão on-line, assim como significativos desafios para o ecossistema digital.”.
Diretores e pesquisadores do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) também expressaram suas opiniões e assinaram o artigo “Regra eleitoral para remoção de conteúdo não pode incentivar censura privada”, na Folha de S.Paulo, contra a Resolução do TSE. Segundo as Diretoras Paloma Rocillo, Ana Bárbara Gomes, e o pesquisador Paulo Rená da Silva de Santarem, a Resolução é uma “tentativa dramática de extinção” do Marco Civil da Internet.
“Entre regras restritivas que colocam as empresas como cães de guarda da internet e regras frouxas que as liberam de qualquer compromisso social, o art. 19 é um início de um caminho do meio. As provedoras de serviços online assumem a responsabilidade por danos se não acatarem ordens judiciais e estão autorizadas a moderarem conteúdo de acordo com suas políticas de uso ou normas internas. Essa regra geral foi pensada como uma regulação mínima, sendo que o MCI como um todo demanda normas adicionais, tal como a Constituição Federal se complementa com Código Civil, ECA etc.”, defenderam.
Os especialistas também concordaram que a Resolução pode afetar a liberdade de expressão: “Ao radicalizar o regime de responsabilidade de intermediários, no dispositivo 9-E, a nova resolução do TSE afeta a liberdade de expressão, pois pune a inércia das plataformas, que tenderão a repelir o risco jurídico e pecar pelo excesso na remoção de conteúdos ao menor sinal ou questionamento de incorrerem nas hipóteses estabelecidas na regra eleitoral”.
Defendendo os mesmos pontos, o Instituto Sivis, por meio do seu Gerente de Relações Institucionais, Jamil Assis, e Analista de Impacto, Sara Clem, também publicaram artigo, no Estadão, contra a Resolução do TSE. No texto “Confusão conceitual não gera boas resoluções normativas em matéria eleitoral”, os especialistas ressaltam que, ao exigir que as plataformas retirem imediatamente conteúdos considerados falsos ou descontextualizados sobre o processo eleitoral, sem a necessidade de ordem judicial prévia, viola-se o Marco Civil da Internet e a liberdade de expressão.
“O primeiro problema é que essa definição entra em um conflito direto com o Marco Civil da Internet, à medida que permite que as plataformas sofram punições sem uma notificação prévia de ordem judicial. Tal mudança no regime de responsabilidade civil vindo de um tribunal superior foge do ordenamento adequado, e deveria vir somente de propostas legislativas”, expressaram, os especialistas, no artigo.
Eles completaram, ao fim: “Por fim, mas não menos importante, vem a consequência para a nossa liberdade de expressão com o risco de censura prévia: as plataformas podem simplesmente passar a realizar a exclusão de conteúdos em massa, sob qualquer possível suspeita, ao tentar evitar problemas jurídicos e multas”.
Enquanto isso, Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper, também foi contrário à Resolução na sua coluna na Revista Veja, no texto “A exceção como regra”. Ele disse: “Uma resolução da justiça eleitoral que torna as plataformas digitais responsáveis pela não retirada, sem ordem judicial, de conteúdos “fascistas”, de “ódio”, ou ameaçadores, da internet, numa contradição chapada com o que diz o Marco Civil da Internet. Uma lei, aprovada no Congresso”.
A Coalizão Direitos na Rede (CDR), representando mais de 50 entidades da sociedade civil e acadêmicas, também manifestou preocupação com a Resolução n° 23.732/2024 do TSE. Para eles, a resolução interfere diretamente no regime de responsabilidade de provedores de conteúdo estabelecido pelo Marco Civil da Internet e pela legislação eleitoral brasileira, que prevê a responsabilização dos provedores apenas após o descumprimento de ordem judicial específica para remoção de conteúdo.
Na nota oficial publicada em seu site, a CDR solicita ao TSE que reconsidere os efeitos potencialmente prejudiciais do artigo 9°-E e promova um diálogo mais amplo com a sociedade civil e especialistas no assunto.