A Coalizão pela Inovação e Responsabilidade em Inteligência Artificial publicou, junto com o engenheiro Demi Getschko, conhecido como o pai da internet brasileira, carta aberta expressando “preocupação” com o texto atual do projeto de lei da regulamentação da inteligência artificial, em tramitação no Senado.
Composto por Fecomercio-SP, Fenainfo, Federação Assespro, Câmara-e.net, ABES, Associação Brasileira de Inteligência Artificial, AMOBITEC, Movimento Inovação Digital, além dos institutos Cidadania Digital, Millenium e Labsul, o grupo pede que o projeto se ajuste a mudanças do cenário regulatório global, como o Processo de Hiroshima do G7, os diálogos transatlânticos entre União Europeia e Estados Unidos e o surgimento de padrões ISO internacionais.
Também insiste que se façam estudos de impacto regulatório. A carta é endereçada aos integrantes da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), em especial ao relator do projeto, Eduardo Gomes, que a recebeu em mãos.
Como argumento, os signatários alegam que o PL 2.338 de 2023 é oriundo do relatório de uma comissão de juristas apresentado em dezembro de 2022 e, por isso, já estaria defasado. Um mês antes da conclusão dos trabalhos da comissão, chegou ao Brasil a primeira plataforma de IA generativa e o relatório não estaria atualizado à nova tecnologia.
Ainda, a coalizão de entidades alega que, apesar de o projeto de lei ser inspirado na proposta da União Europeia para a regulamentação da inteligência artificial, ele se baseia em uma versão ainda em desenvolvimento da proposta que será revisada pelo “trílogo”, etapa obrigatória de negociação entre Parlamento, Comissão Europeia e Conselho Europeu.
Além disso, o grupo destaca que, em outubro deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou um decreto sobre a regulamentação de IA no país. “Esta abordagem regulatória setorial, baseada em múltiplas diretrizes e encaminhamentos de políticas públicas, é um bom benchmarking para o Brasil. Setores diversos têm suas próprias necessidades, regras, técnicos, sanções e, por vezes, até agências com orçamentos dedicados”, escrevem as entidades.
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Confira a carta do grupo na íntegra:
CARTA ABERTA DA COALIZÃO PELA INOVAÇÃO & RESPONSABILIDADE EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A REGULAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO BRASIL DEVE LEVAR EM CONTA O CENÁRIO INTERNACIONAL E O AVANÇO DA TECNOLOGIA
▶ A COALIZÃO PELA INOVAÇÃO E RESPONSABILIDADE EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL por meio desta nota vem expressar sua preocupação quanto à aceleração na tramitação do Projeto de Lei 2338/23, que busca regular a inteligência artificial no Brasil.
- É importante ressaltar que o PL 2338/23 é oriundo do relatório entregue em dezembro de 2022 por uma Comissão de Juristas. Entretanto, um mês antes, em novembro de 2022, os brasileiros tiveram acesso à primeira plataforma de inteligência artificial generativa. Esta inovação aproximou nossa população da tecnologia de IA, apresentou novas oportunidades e, consequentemente, novos desafios regulatórios. Estima-se que a IA generativa possa aumentar a produtividade do Brasil em cerca 1,5 ponto percentual nos próximos 10 anos. Também significaria um ganho de 7 trilhões de dólares para a economia global no mesmo período.
- Também notamos que o Projeto de Lei 2338/23 é fortemente inspirado na proposta da União Europeia. Contudo, essa proposta ainda não é final e passa pelo “trílogo”, etapa obrigatória de negociação entre Parlamento, Comissão Europeia e Conselho Europeu. No dia 31 de maio de 2023, em Luleå, Suécia, ocorreu um encontro do comitê transatlântico onde Estados Unidos e União Europeia avançaram na implementação de ferramentas de avaliação e gestão de riscos para uma IA confiável. Durante este encontro, diversos termos e padrões foram estabelecidos, demonstrando que a discussão regulatória internacional ainda está em andamento.
- Além disso, não podemos deixar de mencionar a iniciativa do Processo de Hiroshima. Os membros do G7, grupo das maiores economias do mundo, sinalizaram em Hiroshima que buscam desenvolver até o final de 2023 um arcabouço de políticas abrangente, incluindo princípios orientadores gerais para todos os atores de IA. O arcabouço buscará apoiar a inovação responsável em IA e ajudar a guiar o desenvolvimento de regimes regulatórios e de governança, em linha com as abordagens domésticas respectivas dos envolvidos, e se beneficiará da mobilização e consulta de stakeholders.
- No campo da padronização, observamos a elaboração de Padrões-chave, como ISO/IEC 22989, ISO/IEC 38507 e ISO/IEC 23894, os quais se encontram em processo de internalização como normas técnicas brasileiras (NBRs) pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Outros padrões essenciais, como ISO/IEC 42001 e ISO/IEC 42005, estão a caminho. Recomendamos que o Brasil observe esses padrões internacionais no desenvolvimento regulatório, reconhecendo o alinhamento a esses padrões como uma presunção de conformidade com os requisitos regulatórios relevantes.
- No cenário internacional, com a ampla democratização da inteligência artificial, governos ao redor do mundo estão reavaliando suas estratégias geoeconômicas. Em resposta, países como Reino Unido, Japão, Cingapura e Austrália optaram por uma abordagem cautelosa na governança de IA, buscando preservar a inovação e a competitividade por meio de múltiplos instrumentos. Estes países escolheram deliberadamente focar em princípios, diretrizes e acordos voluntários até que se tenha um norte regulatório internacional mais claro, que possa acompanhar o dinamismo da evolução da tecnologia e mitigar os riscos de obsolescência regulatória.
- Neste último mês, no dia 30 de outubro de 2023, o Presidente dos EUA, Joe Biden, assinou uma extensa ordem executiva direcionando a regulamentação de IA em seu país, demonstrando a complexidade e a necessidade de análise profunda sobre a matéria. Entre outros temas, a ordem executiva estabelece diretrizes para agências federais. Esta abordagem regulatória setorial, baseada em múltiplas diretrizes e encaminhamentos de políticas públicas, é um bom benchmarking para o Brasil. Setores diversos têm suas próprias necessidades, regras, técnicos, sanções e, por vezes, até agências com orçamentos dedicados. Alguns setores, inclusive, já são extensamente disciplinados. Em nosso país, por exemplo, a aviação civil é gerida pela ANAC, que entre 2006 e 2023, expediu um total de 2.584 resoluções e 1.514 portarias, somando 4.098 atos normativos. Não seria a ANAC o órgão mais competente e capaz de disciplinar e fiscalizar usos da IA na aviação civil? A escolha por uma regulamentação setorial, ancorada em princípios e diretrizes centralizadas, e sem a estrutura de pré-classificação de riscos categórica proposta pelo PL 2338, surge como uma via eficaz para disciplinar os usos, riscos e oportunidades da inteligência artificial, evitando rigidez normativa excessiva ou longas esperas por intervenções minuciosas de uma agência central em cada setor.
- Em última análise, precisamos refletir sobre nossa posição no novo contexto global caracterizado pela corrida à inovação e ao desenvolvimento da inteligência artificial. A existência de modelos de linguagem já desenvolvidos no Brasil, como o Sabiá (LLM treinado em português), além das diversas iniciativas em andamento para aprimorar serviços públicos — como a aplicação de IA no Judiciário e em Tribunais de Contas — demonstra que já estamos trilhando um caminho significativo. Na verdade, dada a nossa base de dados robusta, o Brasil tem o potencial de se tornar uma referência em modelos de linguagem em português que incorporam as características culturais de países lusófonos.
- Para além do domínio linguístico, o Brasil tem o potencial de desenvolvimento de modelos computacionais usando dados em áreas nas quais já nos destacamos. Podemos, por exemplo, alimentar modelos voltados ao clima e condições de solo, para usos em agricultura. Ou mesmo modelos que usem dados dos biomas e da fauna brasileira para uso médico e farmacêutico. As possibilidades são imensuráveis.
- Portanto, a questão que se coloca é: aspiramos a ser líderes e produtores em tecnologia ou nos contentaremos em ser apenas consumidores, como tem sido o caso em muitas instâncias na União Europeia? O impacto econômico, social e geopolítico de nossas decisões é, sem dúvida, o cerne da questão. Neste contexto, a adoção de um Marco Legal com um regime de responsabilidade e sanções com uma estrutura estrita como a proposta pelo PL 2338 colocaria a regulação do Brasil entre as mais rígidas e restritivas do mundo, com enorme potencial de afugentar a atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação, distanciando ainda mais o país do protagonismo em IA.
Por todas as razões acima expostas, pedimos que a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) e o Senado atuem em compasso com a comunidade internacional, bem como às discussões tecnológicas e legislativas. Não podemos nos distanciar das cadeias globais de valor. Assim, é imperativo garantir que qualquer legislação adotada não se torne obsoleta antes mesmo de sua sanção e que esteja em conformidade com padrões internacionais relacionados à inteligência artificial, tal como às normas dos principais mercados globais.
Reconhecemos a necessidade de avanços legislativos, mas não estamos em uma corrida por regulação, e sim por inovação. Assim, o Congresso deve ser prudente e ponderar sobre os impactos de legislações que possam eventualmente limitar as oportunidades geradas pelo avanço da inteligência artificial.
Neste sentido pedimos aos membros da CTIA, ao Senado, e em especial ao relator Senador Eduardo Gomes que levem em conta o cenário internacional e o avanço da tecnologia. Em específico:
a) Requeiram, se possível, a prorrogação da CTIA;
b) Continuem os diálogos legislativos a fim de aprimorar a redação do PL 2338/23;
c) Aguardem o fim do Processo de Hiroshima iniciado pelo G7;
d) Tenham em consideração em sua redação os padrões ISO/IEC 22989, ISO/IEC 38507 e ISO/IEC 23894 e aguardem a publicação dos padrões ISO/IEC 42001 e ISO/IEC 42005;
e) Desenvolvam um texto em harmonia com as recomendações do diálogo transatlântico em progresso entre União Europeia e Estados Unidos;
f) Deem ênfase em uma regulação setorial e contextual, que não se torne obsoleta com os novos desenvolvimentos e garanta a adequação internacional;
g) Tenham em consideração a proposta já aprovada na Câmara dos Deputados no PL 21/20, que não busca esgotar o tema, mas sim dar princípios, diretrizes e um ponto de partida para nossas autoridades setoriais infralegais; e
h) Realizem a devida análise de impacto regulatório.
Brasília, 07 de novembro de 2023
Respeitosamente,
COALIZÃO PELA INOVAÇÃO E RESPONSABILIDADE
EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL