Código Penal já estipula como crimes estelionato e difamação, independentemente se o fato ocorreu na internet ou fora dela, escreve André Marsiglia.
Texto original: (https://www.poder360.com.br/opiniao/o-caso-choquei-e-falso-que-internet-seja-terra-sem-lei/)
O perfil de fofocas Choquei está às voltas com uma imensa polêmica. Segundo noticiado, a conta publicou uma conversa falsa entre um influenciador famoso e uma garota que, lamentavelmente, morreu, em razão da repercussão do inverídico flerte.
Em nota, o perfil disse ter agido com regularidade e em nome da liberdade de expressão. Em postagens, integrantes do governo, dentre os quais o tuiteiro André Janones e o ministro Silvio Almeida, disseram que a ausência de regulação das plataformas leva à impunidade. Foi o bastante para os entusiastas do PL 2.630 de 2020 advogarem ressuscitá-lo.publicidade
Acontece que estão todos redondamente enganados. Divulgar fake news não está coberto pela liberdade de expressão e não cria impunidade.
Fake news não é crime, não existe o crime de fake news, mas isso não quer dizer que quem as propaga esteja livre. Ora, também não existe o crime de “bater em Papai Noel de shopping center no Natal”, e não é por isso que seja lícito fazê-lo. A legislação abstrata se adapta ao fato para resolver o caso. Raciocínio básico que todo primeiro-anista de direito é capaz de fazer.
O crime de difamação, por exemplo, estipulado no artigo 139 do Código Penal, penaliza quem divulga conteúdo falso, desacreditando publicamente seu alvo. Pouco importa se cometido na internet ou fora dela, o crime existe e a punição a seus responsáveis é plenamente possível. Não só na esfera criminal, mas também na cível. A família da menina e o influenciador podem requerer reparação moral de todos que publicaram e compartilharam a mentira.
Tem mais. Se constatado que o perfil fez –ou manteve– a postagem sabendo se tratar de uma inverdade, o artigo 171 do Código Penal enquadra o fato como fraude: induzir alguém em erro para obtenção de vantagem, no caso, clique e engajamento.
Aliás, esse é, a meu ver, o conceito jurídico correto para fake news: divulgar conteúdo fraudulento. Saber que algo é inverídico e, ainda assim, divulgar ou manter divulgado. A difamação reside na mentira, as fake news residem na deliberada intenção de fraudar o debate público.
Portanto, é uma mentira deslavada que a internet é uma terra sem lei. Uma mentira que favorece político que quer contar ao futuro a lorota de que inventou um mundo seguro na internet com o PL 2.630 de 2020. O PL não evitaria, nem evitará, nenhuma tragédia; ele sequer conceitua fake news. Seu texto é falho, é subjetivo, é ruim.
Temos institutos jurídicos fortes o suficiente para não precisarmos de salvadores da pátria de ocasião. Temos cerceamentos à liberdade de expressão suficientes no país.
André Marsiglia é Advogado constitucionalista, Professor e Palestrante. Conselheiro julgador no CONAR, fundador do instituto L+ speech and press, constituído para a defesa e promoção da liberdade de expressão. Pesquisador no instituto EthikAI- Ética em Inteligência Artificial. Especialista em liberdades de expressão, direito digital e da publicidade. Articulista em jornais e revistas. Membro da Comissão de Direito das Mídias da OAB e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), e da Associação Nacional de Editores (ANER). Sócio administrador na Lourival J Santos Advogados.