A construção de um sistema tributário moderno, eficiente e juridicamente seguro passa, necessariamente, por regras claras de compliance e por incentivos adequados à conformidade voluntária. Nesse contexto, a manutenção integral do §14 do artigo 22 do PLP 108/2024, conforme o texto aprovado pelo Senado Federal, é um elemento central para o equilíbrio entre fiscalização, cooperação e segurança jurídica no ambiente das plataformas digitais.
Um modelo que incentiva a regularização tempestiva
O §14 do artigo 22 estabelece um regime diferenciado de consequências para o descumprimento de obrigações fiscais, reconhecendo que nem todas as situações são iguais. O inciso I cria um incentivo poderoso à regularização espontânea: quando a plataforma digital emite o documento fiscal e recolhe o IBS e a CBS devidos em até 30 dias, ela fica isenta de todas as penalidades, incluindo multa de mora, multa punitiva pela não emissão do documento fiscal e juros de mora.
Esse mecanismo promove a conformidade voluntária, reduz litígios e diminui custos administrativos tanto para os contribuintes quanto para o próprio Fisco. Trata-se de uma solução inteligente, que privilegia a correção rápida da falha em vez da punição automática.
O papel essencial do inciso II: diferenciação e proporcionalidade
Já o inciso II do §14 cumpre uma função igualmente estratégica. Ele reconhece uma situação intermediária: plataformas que não emitiram o documento fiscal, mas mantiveram o compartilhamento de informações previsto no §5º. Nesses casos, a isenção é limitada à multa punitiva pela falta de emissão do documento fiscal, permanecendo a responsabilidade solidária pelos tributos devidos e seus acréscimos legais, como multa de mora e juros.
Essa diferenciação é fundamental para a efetividade do sistema. Ao valorizar a cooperação e a transparência, o dispositivo incentiva comportamentos que viabilizam a fiscalização e reduzem a assimetria de informações entre o Fisco e os agentes econômicos, mesmo quando há falhas no cumprimento integral das obrigações.
Os riscos da supressão do inciso II
A eventual exclusão do inciso II produziria um efeito indesejado: igualaria situações substancialmente diferentes. Plataformas que compartilham informações seriam tratadas da mesma forma que aquelas que simplesmente deixam de cooperar, impedindo o acesso das autoridades fiscais aos dados das transações realizadas.
Essa equiparação enfraqueceria o mecanismo de compartilhamento de informações previsto no §5º e violaria o princípio da isonomia, ao tratar de forma idêntica contribuintes que se comportam de maneira claramente distinta quanto ao grau de cooperação com o Fisco.

Segurança jurídica e alinhamento com o sistema tributário
Além de sua relevância operacional, a manutenção do inciso II é decisiva para a sustentabilidade jurídica do modelo de responsabilização das plataformas digitais. Ao prever consequências proporcionais a diferentes níveis de descumprimento, o dispositivo reforça a legitimidade do regime de responsabilidade solidária e reduz significativamente o risco de questionamentos judiciais.
Vale lembrar que o próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 138, assegura ao contribuinte direto a possibilidade de afastar penalidades por meio da denúncia espontânea. A inexistência de mecanismos semelhantes, ainda que adaptados, para as plataformas digitais tornaria o sistema assimétrico e juridicamente vulnerável.
Conclusão
Manter integralmente o §14 do artigo 22 do PLP 108/2024 — especialmente o seu inciso II — não é apenas uma questão de técnica legislativa. Trata-se de uma escolha por um sistema tributário mais racional, proporcional e cooperativo, que distingue condutas, incentiva a transparência e fortalece a segurança jurídica. Em um ambiente digital cada vez mais complexo, essa diferenciação é essencial para garantir eficiência fiscal sem abrir mão da justiça e da previsibilidade normativa.


