Como a mudança de enquadramento irá reduzir ganhos dos motoristas e inviabilizar o serviço para os usuários
O debate sobre a regulamentação do transporte por aplicativo é legítimo. No entanto, o enquadramento jurídico proposto no projeto de autoria do deputado Augusto Coutinho levanta preocupações relevantes do ponto de vista econômico, jurídico e operacional, especialmente para os motoristas que atuam nas plataformas digitais.

Mudança de modelo ignora a realidade das plataformas
O projeto propõe um modelo de prestação de serviços baseado em subcontratação, no qual a plataforma passa a ser considerada formalmente a prestadora do serviço. Nesse arranjo, 100% do valor da corrida é tratado como receita da empresa, e o motorista passa a ser visto apenas como um executor do serviço.
Esse enquadramento não reflete a realidade operacional das plataformas digitais, que funcionam como intermediadoras entre usuários e motoristas parceiros. Ao desconsiderar essa dinâmica, o texto não reduz a insegurança jurídica — ao contrário, amplia o risco de disputas judiciais ao impor um modelo artificial, desconectado da prática do setor.
Aumento expressivo da carga tributária
Uma das principais consequências do texto é o impacto direto sobre a carga tributária incidente sobre o transporte por aplicativo. O modelo proposto altera de forma significativa a forma como a atividade é enquadrada, resultando em um aumento substancial dos tributos cobrados sobre cada viagem.
Atualmente, quando um usuário paga por uma corrida, a maior parte do valor é destinada ao motorista. A plataforma retém apenas uma taxa de serviço, sobre a qual incidem seus tributos, além de encargos financeiros e operacionais. Esse modelo preserva a remuneração do trabalhador, já que os impostos da empresa incidem exclusivamente sobre a sua comissão, e não sobre o valor total da corrida.

Impactos diretos para usuários e motoristas
Ao analisar o projeto pela perspectiva do usuário, os efeitos se tornam ainda mais evidentes. O conjunto de novas obrigações e custos impostos às plataformas — que vão desde exigências de natureza trabalhista incompatíveis com um modelo baseado em autonomia e flexibilidade, passando por encargos previdenciários sem estudo de impacto, até interferências diretas no funcionamento e na operação das plataformas — tende a resultar em corridas mais caras em todo o país.
Com o aumento expressivo de custos, o serviço se torna menos acessível, especialmente para usuários de baixa renda, que são justamente os que mais dependem do transporte por aplicativo para se deslocar ao trabalho, estudar ou acessar serviços essenciais. A consequência direta é a redução da demanda: menos viagens solicitadas significam menos oportunidades de trabalho e queda na renda dos motoristas, que acabam mais uma vez penalizados.
O resultado é um ciclo negativo: usuários deixam de utilizar o serviço por falta de condições financeiras, a demanda cai e os motoristas veem sua renda diminuir — exatamente o oposto do objetivo declarado de proteção social.
Um debate que precisa ser feito com responsabilidade
A regulamentação do trabalho por aplicativo deve buscar equilíbrio: proteger o trabalhador, garantir segurança jurídica e preservar a sustentabilidade econômica do setor. Propostas que elevam drasticamente a carga tributária, ignoram a natureza das plataformas digitais e reduzem a renda dos motoristas caminham na direção oposta. O Conselho Digital defende que qualquer avanço regulatório seja construído a partir do diálogo, da análise técnica e do respeito à realidade do ecossistema digital, evitando soluções que, embora bem-intencionadas, acabem prejudicando justamente quem se pretende proteger.


