A Câmara de Comércio dos EUA (U.S Chamber of Commerce) publicou nota contra o Projeto de Lei de Mercados Digitais, o PL 4675/2025. No texto, a Câmara defende que o Brasil reconsidere a proposta e busque um modelo próprio, equilibrado e inovador, capaz de promover concorrência, inovação e crescimento econômico, sem repetir os erros da União Europeia. Segundo a nota, um marco regulatório bem desenhado poderia posicionar o Brasil como líder regional em governança digital.
O documento da Câmara de Comércios dos EUA explica que o PL brasileiro segue uma abordagem ex ante, ou seja, impõe regras preventivas a empresas consideradas “de relevância sistêmica” — aquelas com receita global acima de R$ 50 bilhões ou doméstica acima de R$ 5 bilhões. Essa classificação atinge principalmente empresas americanas, criando um ambiente regulatório discriminatório e desincentivador.
Paradoxalmente, ao obrigar grandes plataformas a compartilhar suas tecnologias e dados, o projeto reforça a dependência das empresas menores e consolida o poder das gigantes, em vez de promover concorrência e inovação.
Na opinião dos especialistas, a legislação pode restringir a integração vertical — prática que combina diferentes serviços em uma mesma plataforma, como o Google integrar o Maps aos resultados de busca. Na Europa, essa prática foi limitada pelo DMA, o que reduziu a conveniência e fragmentou a experiência do usuário.
Além disso, o projeto brasileiro apresenta requisitos vagos de conformidade, criando insegurança jurídica e desviando recursos empresariais da inovação para a burocracia regulatória.
O texto também ressalta que, embora o projeto alegue seguir “melhores práticas globais”, não há consenso sobre isso. Países como Japão, Alemanha, Coreia e Reino Unido estão testando modelos próprios, enquanto Índia e Estados Unidos rejeitaram legislações semelhantes ao DMA. A nota argumenta que o Brasil não deveria copiar um modelo ainda controverso e problemático. Ainda, também afirma que o projeto ameaça as relações entre Brasil e Estados Unidos, afetando investimentos e cooperação tecnológica entre os dois países.
Veja aqui a publicação da Câmara de Comércio dos EUA. Confira a tradução da nota:
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Por que o Brasil deveria repensar seu projeto de lei de mercados digitais
O Brasil deve prestar atenção ao conto de advertência da Lei de Mercados Digitais da Europa ao avançar seu próprio projeto de lei de mercados digitais.
Imagine a seguinte situação: você está em São Paulo, Brasil, tentando conversar com alguém que fala um idioma diferente. Através dos seus fones de ouvido, você ouve a tradução em tempo real, tornando a comunicação fluida. Isso não é um sonho futurista; é uma tecnologia que já existe. Na semana passada, a Apple lançou seu inovador recurso de comunicação Live Translation .
Agora imagine que você está na União Europeia (UE), onde 27 países falam dezenas de idiomas. No entanto, justamente onde essa tecnologia seria revolucionária, os consumidores da UE não conseguem se beneficiar, não por limitações técnicas, mas por causa das regulamentações resultantes da Lei de Mercados Digitais (DMA) da UE.
A DMA impõe regras rígidas a algumas das maiores empresas de tecnologia – principalmente com sede nos EUA –, como requisitos de interoperabilidade e compartilhamento de dados com concorrentes. Para recursos proprietários como o Live Translation da Apple, isso não só cria obstáculos significativos de conformidade, como também diminui o incentivo para investir e implementar tecnologias inovadoras na UE. O resultado? Os consumidores ficam para trás.
O Brasil agora corre o risco de seguir o caminho da Europa. O governo brasileiro propôs uma nova legislação, o Projeto de Lei nº 4675/2025, frequentemente chamado de sua própria versão da Lei de Mercados Digitais da UE . A legislação, que visa regulamentar grandes plataformas digitais, levanta preocupações significativas para a economia e os consumidores brasileiros, ao mesmo tempo em que aumenta os riscos para o relacionamento com os Estados Unidos.
Uma abordagem equivocada à concorrência
Os defensores do projeto de lei de mercados digitais proposto pelo Brasil argumentam que ele criará condições mais equitativas para concorrentes menores. No entanto, a abordagem do projeto é insuficiente. Assim como a Lei de Mercados Digitais (DMA), ele utiliza uma abordagem ex ante para atingir empresas, em vez de abordar condutas prejudiciais ou excludentes. O projeto designa certas empresas como “agentes econômicos de relevância sistêmica”, impondo obrigações especiais baseadas exclusivamente em limites de receita.
Essa designação se aplica a empresas de tecnologia com receita global anual superior a R$ 50 bilhões (US$ 9,5 bilhões) ou receita doméstica superior a R$ 5 bilhões (US$ 950 milhões), critérios que — também como a DMA — abrangem predominantemente empresas americanas. Ao destacar um grupo restrito de grandes plataformas, o projeto fomentaria um ambiente regulatório discriminatório, desestimularia o investimento e prejudicaria a própria concorrência que visa promover.
Paradoxalmente, a legislação poderia consolidar o domínio do mercado em vez de rompê-lo. Uma dinâmica de dependência é criada ao exigir que grandes plataformas compartilhem sua tecnologia, dados ou infraestrutura com empresas menores. Em vez de incentivar o crescimento de novos players, essa dependência reforça a posição de plataformas estabelecidas, tornando-as ainda mais centrais para o ecossistema digital.
Para novos entrantes, as barreiras de entrada tornam-se ainda maiores. Para competir, eles precisariam igualar os benefícios e serviços oferecidos pelas plataformas dominantes, o que representa um desafio significativo que, em última análise, desencoraja o surgimento de novos concorrentes. O projeto de lei corre o risco de reforçar o status quo, deixando os consumidores com menos opções e menos inovação.
Danos aos consumidores e à inovação
Entre os aspectos mais preocupantes da legislação proposta está seu potencial para restringir ou proibir a “integração vertical”, um modelo de negócios que aumenta a conveniência e a eficiência para os consumidores. Um excelente exemplo de integração vertical é a incorporação do Google Maps pelo Google em seu mecanismo de busca. Quando os usuários pesquisam um ponto turístico ou empresa no Google, recebem instruções, avaliações e outras informações relevantes diretamente nos resultados da busca.
Ao oferecer a integração de seu mecanismo de busca com seu serviço de mapeamento, o Google elimina a necessidade de os usuários copiarem e colarem um endereço encontrado por meio de pesquisa em um aplicativo de mapeamento, criando uma experiência de usuário simplificada. No entanto, sob o DMA, essa conveniência para o consumidor agora é ilegal na Europa. Restringir essas práticas comuns de integração fragmentaria as experiências do usuário e diminuiria o valor dos serviços digitais dos quais os consumidores passaram a depender. Para agravar ainda mais essas preocupações, estão os requisitos de conformidade vagos do projeto de lei, que oferecem pouca clareza sobre como as empresas devem cumprir suas obrigações. Essa falta de segurança jurídica forçaria as empresas a desviar recursos do desenvolvimento de produtos e melhorias de serviços para navegar por demandas regulatórias complexas e ambíguas. A experiência de implementação da UE com o DMA demonstra como essa incerteza pode criar desafios significativos de conformidade, com as empresas lutando para se adaptar a regras em constante mudança.
Por fim, embora o projeto de lei alegue ser baseado nas melhores práticas globais, a realidade é que não existe um consenso internacional sobre uma melhor prática global. As principais economias, incluindo Japão, Alemanha, Coreia e Reino Unido, estão ativamente experimentando maneiras de regular os mercados digitais de forma eficaz. Embora ainda existam sérias preocupações com as abordagens desses países, todos eles optaram decididamente por um caminho diferente da replicação do DMA da UE. Outros países, como Índia e Estados Unidos, avaliaram propostas semelhantes ao DMA e decidiram rejeitar essas abordagens políticas falhas. O Brasil não deve se apressar em emular um modelo que continua sendo um controverso trabalho em andamento.
Agravando a ameaça às relações EUA-Brasil
As relações entre EUA e Brasil enfrentam desafios crescentes, à medida que tarifas de 50% agravam as tensões comerciais, enquanto abordagens políticas divergentes e crescentes pressões políticas agravam a tensão no relacionamento bilateral. Entre as principais questões que impulsionam a investigação da Seção 301 do governo americano sobre as práticas comerciais desleais do Brasil estão as preocupações com suas políticas digitais. A legislação proposta pelo Brasil, que introduz medidas agressivas contra plataformas digitais, corre o risco de desestabilizar ainda mais esse relacionamento. O Projeto de Lei nº 4675/2025 minaria os próprios objetivos que o Brasil busca alcançar: inovação, concorrência e bem-estar do consumidor. Sua forma atual ameaça consolidar o poder de mercado, desestimula investimentos e prejudicará ainda mais o relacionamento já frágil do Brasil com os Estados Unidos.
O governo brasileiro precisa reconsiderar cuidadosamente as implicações mais amplas de seu projeto de lei sobre mercados digitais. Em vez de replicar a estrutura falha da UE, o Brasil deve traçar seu próprio caminho — um caminho que possa servir de modelo para o restante do Hemisfério Ocidental. Um marco regulatório inclusivo e voltado para o futuro não apenas promoveria o crescimento doméstico, mas também posicionaria o Brasil como líder global na construção de uma governança digital eficaz.