Na medida que se discute políticas públicas para proteção das crianças e adolescentes na internet, devemos também nos debruçar sobre a proteção dos nossos jovens na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e Adolescente, bem como sobre conceitos como controle parental, supervisão parental e autonomia progressiva.
Proteção das crianças e adolescentes na Constituição Federal
A proteção integral da criança e do adolescente foi estabelecida pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1988, especificamente no artigo 227. Esse artigo da CF enfatiza que é responsabilidade conjunta da família, da sociedade e do Estado garantir, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, reconhecendo a importância da valorização da infância. Esse princípio foi incorporado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Diferenciação entre Criança e Adolescente no ECA
O ECA diferencia claramente entre criança e adolescente, definindo criança como a pessoa até doze anos de idade incompletos (art 2º), e adolescente como a pessoa entre doze e dezoito anos de idade. Essa distinção é crucial, pois reconhece que as necessidades e capacidades de desenvolvimento variam significativamente entre esses dois grupos etários, exigindo abordagens diferenciadas na proteção e promoção dos seus direitos, especialmente no uso da internet.
Poder Parental e Autonomia Progressiva
Os pais não são proprietários de seus filhos; ao contrário, os filhos são indivíduos autônomos com os mesmos direitos de personalidade garantidos aos genitores. No entanto, devido à falta de maturidade, as crianças e adolescentes não conseguem exercer esses direitos de maneira totalmente autônoma, necessitando do auxílio dos pais para muitos atos da vida civil, inclusive no uso da internet.
O poder parental é, portanto, um poder-dever atribuído aos genitores, implicando que a decisão sobre grande parte da vida dos filhos cabe a eles enquanto as crianças estiverem sob sua guarda e cuidados. Este poder não é absoluto e deve ser exercido com vistas ao melhor interesse da criança ou do adolescente, respeitando sua autonomia progressiva.
Autonomia Progressiva no Uso da Internet
A autonomia progressiva evidencia que a capacidade decisória é construída ao longo da vida do ser humano. Esse processo não ocorre de maneira uniforme entre os indivíduos e não é adequadamente capturado por um regime de incapacidades baseado unicamente em critérios etários. Crianças e adolescentes, à medida que demonstram maturidade e capacidade, devem ser gradualmente incentivados a tomar decisões e assumir responsabilidades no uso da internet.
Exemplos Práticos na Vida Offline e Online:
- Crianças Pequenas (Offline): Necessitam de maior supervisão dos pais, como quando aprendem a atravessar a rua. Inicialmente, os pais seguram a mão da criança e explicam as regras de segurança.
- Crianças Pequenas (Online): Devem ter o acesso à internet controlado com filtros de conteúdo e supervisão direta dos pais, utilizando dispositivos em áreas comuns da casa.
- Adolescentes (Offline): À medida que crescem, ganham mais autonomia, como ir sozinhos à escola ou ao cinema com amigos. Os pais devem conversar sobre segurança e responsabilidade.
- Adolescentes (Online): Devem ser incentivados a usar a internet de forma responsável, com orientação sobre privacidade, cyberbullying e os riscos de compartilhar informações pessoais. A supervisão deve ser mais flexível, permitindo que façam suas próprias escolhas com o suporte necessário.
Diferença entre Controle Parental e Supervisão Parental
Controle Parental:
- O que é: Envolve a implementação de medidas e ferramentas que limitam o acesso e o uso da internet e outros dispositivos tecnológicos. É uma abordagem mais rígida e direta.
- Objetivo: Proteger as crianças e adolescentes de conteúdos inadequados, garantir um uso seguro da internet e controlar o tempo que passam online.
- Ferramentas: Softwares de controle parental que bloqueiam determinados sites, restringem o tempo de uso de dispositivos, monitoram atividades online, e definem filtros de conteúdo.
- Exemplo Prático: Utilizar uma aplicação que impede o acesso a redes sociais após um certo horário da noite, ou bloquear sites com conteúdos inapropriados.
Supervisão Parental:
- O que é: Envolve orientação e acompanhamento do uso da internet e tecnologia de maneira mais flexível, permitindo que as crianças explorem, mas com a presença e orientação dos pais.
- Objetivo: Ensinar e guiar as crianças, ajudando-as a desenvolver habilidades de autocontrole e discernimento. A ênfase está no aprendizado e na construção de confiança mútua.
- Ferramentas: Discussões abertas sobre o uso seguro da internet, revisão conjunta dos sites visitados, participação ativa nas atividades online das crianças.
- Exemplo Prático: Sentar com a criança para navegar na internet juntos, discutindo sobre os perigos do compartilhamento de informações pessoais e ajudando-a a reconhecer sinais de cyberbullying.
Conclusão
O ECA e a Constituição de 1988 estabelecem um quadro robusto para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, reconhecendo a importância da família, da sociedade e do Estado nesse processo. A autonomia progressiva é um princípio fundamental que reflete a compreensão de que a capacidade decisória se desenvolve ao longo do tempo e varia entre os indivíduos. Portanto, é essencial que o poder parental seja exercido de maneira a apoiar e promover esse desenvolvimento, respeitando a individualidade e as necessidades específicas de cada criança e adolescente, especialmente no uso da internet.
Nesta medida, defendemos medidas de proteção que respeitem a diferenciação por maturidade e a progressiva autonomia, como estratégias baseadas em risco para verificação de idade e ajustes de conteúdo, além de promover uma proteção robusta de dados e privacidade alinhada com a maturidade do usuário.