O Tribunal de Contas da União (TCU) conduziu uma análise detalhada sobre a implementação da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), com um olhar crítico sobre as propostas de regulação em discussão no Congresso Nacional. A iniciativa teve como objetivo identificar os possíveis riscos que tais regulações poderiam apresentar para a implementação da Ebia, afetando tanto o setor público quanto o privado.
O TCU avaliou quatro Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, com foco na identificação de possíveis riscos decorrentes da eventual aprovação de tais matérias com suas redações atuais. Foram analisados os PLs 21/2020 e 2.338/2023, em virtude de terem passado por maior debate legislativo, e os PLs 4.025/2023 e 3.592/2023, por impactarem direitos autorais. O relatório foi conduzido de acordo com as Normas de Auditoria do TCU (NAT), que estão alinhadas às Normas Internacionais das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Issai), emitidas pela Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai).
Sobre o PL 2.338/2023, o TCU apontou que medidas de governança excessivas para o desenvolvimento de IA podem inviabilizar a atuação de startups que não tenham grande investimento inicial e de empresas de menor porte.
O Acórdão 616/2024, sob a relatoria do Conselheiro Aroldo Cedraz, afirma que o “PL 2.338/2023, que busca regular o uso da IA e que está em tramitação no Senado Federal, adota caráter restritivo no que tange ao desenvolvimento do mercado de IA, pois enfatiza aspecto temerário quanto ao desenvolvimento da tecnologia no país, em detrimento da adoção de diretrizes capazes de provocar o desenvolvimento responsável da tecnologia, a partir do incentivo ao desenvolvimento de pesquisas que mitiguem os riscos associados.” Também disse que “o PL enfraquece a Ebia [Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial] ao atribuir a gestão da estratégia para o órgão de regulação a ser constituído e ao não estabelecer medidas que realmente ampliem o fomento da área“
Quando ao PL 21/2020, o acórdão afirma que “diante dos riscos levantados, da atual realidade brasileira na área e da discussão nacional e internacional sobre o assunto, o PL 21/2020, de caráter principiológico, possui como vantagens orientar o desenvolvimento de IA responsável e ética e possibilitar a regulação setorial, de acordo com as especificidades de cada área. Porém, o projeto possui grande dependência de futura definição infralegal para materializar os princípios da lei.“
A análise do TCU não se restringiu apenas ao Brasil; ela também considerou iniciativas internacionais de regulamentação da Inteligência Artificial (IA), como o AI Act da União Europeia, a Ordem Executiva Presidencial dos Estados Unidos, e a estratégia pró-inovação do Reino Unido. Esse comparativo internacional permitiu um entendimento mais amplo das tendências globais e das melhores práticas na regulação da IA.
Ao todo, ao analisar os quatro Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, o TCU identificou nove riscos principais e doze impactos potenciais que podem comprometer a inovação e o desenvolvimento tecnológico no Brasil.
Riscos apontados na regulação desproporcional da IA no Brasil:
- Dependência de importação de tecnologia em decorrência da estagnação do desenvolvimento da IA no Brasil;
- Criação de barreiras para startups e empresas de menor porte;
- Perda de competitividade dos produtos e serviços brasileiros no comércio exterior;
- Monopólio ou oligopólio propiciado por regulação excessiva;
- Dificuldades na retenção de profissionais de IA;
- Definições genéricas impactando áreas desconexas e setores de baixa complexidade ou relevância;
- Impedimento ao desenvolvimento de IA por estabelecimento de direitos autoriais de forma incompatível à nova realidade;
- Limitação da capacidade de inovação nos setores público e privado;
- Barreiras à transformação digital do Estado brasileiro e perda potencial de avanço na disponibilidade de mais e melhores serviços públicos aos cidadãos.
Impactos potenciais da regulação desproporcional da IA:
- Limitação e inibição de utilização de IA no mercado, com desaceleração do desenvolvimento de produtos e serviços;
- Perda de competitividade internacional do Brasil na área de IA, resultando em menor capacidade de inovação;
- Maior desafio na redução dos custos de produção de produtos brasileiros, em desvantagem aos produtos estrangeiros e com prejuízo ao posicionamento do Brasil no mercado global;
- Tendência de importação ou terceirização do treinamento de sistemas de IA, devido a modelos de regulação e incentivos mais atrativos de outros países;
- Preocupações associadas à segurança e à privacidade de dados devido à dependência de tecnologia estrangeira;
- Concentração de mercado em poucas empresas com capacidade administrativa, jurídica e financeira, devido às exigências regulatórias complexas;
- Perda de oportunidade de desenvolver novos serviços que beneficiem a economia e a sociedade;
- Inibição do uso e do desenvolvimento de IA no Brasil devido à classificação de alto riscos para aplicações benéficas à sociedade;
- Aumento generalizado de custo de desenvolvimento de aplicações benéficas à sociedade ou aplicações existentes há décadas, inclusive de diversas áreas não correlatas à IA, devido à legislação generalista e a definições imprecisas;
- Prejuízo à promoção da inclusão social e digital, em especial das parcelas mais vulneráveis da população;
- Restrições à experimentação em pesquisas acadêmicas em IA;
- Perda de oportunidade de diminuição de custos do Estado.
A conclusão do TCU ressalta a importância de uma regulação equilibrada, que proteja direitos sem inibir a inovação tecnológica. A preocupação é que uma regulamentação precipitada, antes de o Brasil consolidar uma posição competitiva no mercado internacional de IA, possa trazer consequências negativas em várias frentes, desde o desenvolvimento social e tecnológico até a economia.
As recomendações e análises do TCU serão apresentadas ao Parlamento, contribuindo para o refinamento das propostas de regulação em análise. A auditoria foi conduzida pela Unidade de Auditoria Especializada em Tecnologia da Informação (AudTI), sob a responsabilidade do ministro Aroldo Cedraz e vinculada à Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado (SecexEstado).
Com informações do Portal do TCU.
Leia a íntegra da decisão: Acórdão 616/2024 – TCU – Plenário
Processo: TC 033.638/2023-3
Sessão: 03/04/2024
Leia também o Sumário Executivo do relatório.