Conselho Digital participa de Audiência Pública do TSE sobre Propaganda Eleitoral

O Conselho Digital participou da audiência pública do Tribunal Superior Eleitoral realizada nesta quinta-feira, dia 25 de janeiro sobre as Instruções às Eleições 2024. A audiência faz parte da consulta organizada pelo TSE. O Conselho Digital foi selecionado entre instituições para fazer uso da palavra sobre a Minuta de Resolução sobre Propaganda Eleitoral. As audiências transcorreram nos dias 23, 24 25 de janeiro.

Conforme explicou o TSE, a análise dos requerimentos para participação na audiência foi feita com base em critérios objetivos e de representatividade e com estrita atenção à finalidade das audiências. A análise e conclusão sobre os requerimentos (que totalizaram mais de 150 pleitos para aproximadamente 1000 propostas apresentadas) foram feitas seguindo-se os critérios:

  1. Apresentação objetiva de sugestão de inclusão, alteração ou exclusão de dispositivo em resolução, sendo necessário, no caso de inclusão ou alteração, que fosse sugerido algum texto;
  2. Adequação da justificativa apresentada para explicar a proposta e para demonstrar a necessidade de uso da palavra para a exposição em face da complexidade da sugestão;
  3. Compatibilidade da proposta com a competência da Justiça Eleitoral;
  4. Pertinência da proposta apresentada ao tema da minuta a que se refere;
  5. Representatividade das autoridades e instituições públicas e de interesse público;
  6. Consistência da proposta, a justificar o uso da palavra na audiência.

O diretor executivo do Conselho Digital, Felipe França, foi o responsável por representar a entidade em sua breve exposição de cinco minutos. Apesar de ter realizado 14 contribuições à minuta, França destacou três pontos em sua fala: proteção de dados, deveres de transparência dos provedores e responsabilização pela sinalização de material manipulado.

LEIA O ROTEIRO DA FALA

Senhora Ministra, membros da mesa e caros colegas,

É uma honra estar aqui hoje para discutir temas de extrema relevância para a integridade e transparência do nosso processo eleitoral. 

Meu nome é Felipe França. Venho hoje falando em nome do Conselho Digital. Nós somos uma associação sem fins lucrativos ou vínculos políticos, mantido por provedores de aplicação de internet e que tem como objetivo fortalecer uma internet livre, segura e responsável.

O Conselho Digital fez 14 contribuições por escrito. Mas passaremos por três pontos que merecem destaque: 

  1. proteção de dados, 
  2. deveres de transparência dos provedores; e o último, havendo tempo,
  3. da responsabilidade de sinalizar conteúdos gerados por IA.

//Proteção de dados na eleição

Indo ao primeiro ponto, gostaria de começar reconhecendo e elogiando o compromisso do TSE com a proteção dos dados pessoais – algo tão importante na era digital que vivemos. 

Quanto ao assunto, é nosso dever começar destacando que a LGPD tem regras sobre:

  •  a figura do encarregado de dados, 
  • sobre os registros de atividades de tratamento
    • e sobre relatório de impacto à proteção de dados para todos os agentes de tratamento 

E, nesse ponto, é importante dizer: estas matérias são tratadas de maneira redundante nos arts. 33, §3º, 33-C caput e §1º da Minuta. 

Da mesma forma, a LGPD é bastante robusta no que diz respeito às hipóteses  legais que autorizam o tratamento de dados (inclusive de dados considerados sensíveis e nos casos de tratamento automatizado). 

Esses temas, entre outros, foram detalhados no guia orientativo elaborado em parceria entre a ANPD e o TSE em preparação ao pleito de 2022. 

Considerando que estes e outros temas já estão previstos na LGPD, a minuta da resolução  deveria remeter esses temas à legislação PERTINENTE, evitando a redundância com o regime complexo e equilibrado da LGPD. 

Veja, bem… Alguns dos pontos tratados na minuta são inclusive itens da agenda regulatória de 23/24 da ANPD (como hipóteses de tratamento) e outros (como encarregado de dados) estão em fase de regulamentação (tendo inclusive passado por consulta pública) pela Autoridade. 

Além disso,  a minuta – um instrumento infralegal – conflita e limita o alcance do regime previsto nos arts. 7o e 11 da LGPD – o que pode gerar insegurança jurídica.

A ANPD já desempenha um papel vital na regulamentação e orientação sobre a proteção de dados no Brasil (inclusive no contexto eleitoral). E o esforço de coordenação entre o TSE e a ANPD deve seguir alinhado ao regime da LGPD. 

Nesse sentido, ao invés de se criar um microcosmo regulatório paralelo, seria mais produtivo remeter o tema ao regime pertinente e buscar a harmonização da ação do Tribunal e da ANPD; em diálogo e coordenação  na aplicação da lei.

 //Deveres de Transparência

Em segundo lugar, quero agora abordar sobre os deveres de transparência, em especial sobre o Art. 3º-B e seu Parágrafo único.

O parágrafo único impõe uma obrigação aos provedores de aplicação, como as redes sociais e plataformas de vídeos publicados por usuários. Eles devem manter ferramentas de transparência que permitam ao público visualizar informações sobre a publicidade política: quem está pagando por ela, quanto está sendo gasto, entre outros pontos relevantes. 

Para os provedores isso significa a necessidade de desenvolver e manter sistemas que possam rastrear e revelar essas informações de forma acessível e compreensível. 

Embora alguns provedores já possuam bibliotecas de anúncios políticos, para outros provedores isto pode ser um desafio técnico a ser superado em pouco tempo até o início do período eleitoral em agosto.

Inclusive, vale que se mencione um efeito não-intencional da equiparação entre período eleitoral e pré-campanha previsto no caput deste artigo cumulado com este parágrafo.

Embora seja razoável harmonizar as exigências da campanha eleitoral à pré-campanha eleitoral, a responsabilização dos provedores de aplicação durante o período de pré-campanha é crítica, uma vez que neste período as plataformas não têm sequer como identificar quem é ou não candidato.

Neste sentido, pedimos que o TSE pondere sobre o dever FORTE de transparência no período eleitoral e o dever RAZOÁVEL de transparência no período de pré-campanha. 

Em resumo, é importante considerarmos que as obrigações de transparência no período pré-eleitoral são de responsabilidade do partido político ou federação ao qual o pré-candidato é ou será filiado. 

Que o provedor de aplicação que preste serviço de impulsionamento fique obrigado a manter ferramentas de transparência APENAS sobre a publicidade realizada durante o período eleitoral – e não na pré-campanha.

 //Responsabilidade e IA

Por último, queria falar sobre QUEM ao fim deveria ser responsável por informar que certa mídia é resultado da manipulação por inteligência artificial. 

É importante que fique explícito que a obrigação de informar deve recair sobre o usuário que publica determinado conteúdo.

Ainda não existe padrão uniforme que funcione de maneira transversal a toda a indústria para detectar de maneira definitiva alterações e manipulações digitais, sobretudo de conteúdos gerados em produtos e serviços de terceiros. 

As possibilidades e os desafios de se “marcar” conteúdo gerado ou modificado por IA (ou por qualquer outra tecnologia digital) são um dos temas técnicos que mais têm sido tratados nos espaços de coordenação da indústria. 

A obrigação, portanto, deve recair sobre quem tem controle e conhecimento sobre a produção e as alterações feitas no conteúdo, algo que vem em linha com o esforço do TSE de fomentar uma maior responsabilidade e honestidade entre os criadores de conteúdo, promovendo a integridade no espaço político digital. 

A responsabilidade primária pelo cumprimento das regras eleitorais deve recair sobre o candidato ou a equipe de campanha. Eles têm o controle direto sobre o conteúdo e a estratégia de impulsionamento. Por essa mesma baliza também poderíamos tratar da obrigação do art 29, parágrafo 11, em que obriga as plataformas a remover conteúdo no período de 48 horas antes a 24 horas depois. A lei eleitoral deve criar incentivos para que os anunciantes sejam diligentes, no lugar de transferir responsabilidades para as plataformas. 

Agradeço a oportunidade e me coloco à disposição em nome do Conselho Digital.